quinta-feira, junho 07, 2018

Meu pai me deu meu nome

Meu pai me deu meu nome.
Lá atrás, quando isso aconteceu, nem ele e nem eu imaginávamos o que faríamos na vida.
Nasce sua única filha.
Nasce meu único pai.
Meu pai sempre se deu bem com crianças. Era com elas que víamos sua essência e com elas se sentia confortável. 
Imagino quão difícil foi pra ele lidar com os filhos adultos. Ele não curtia muito adultos. Ele envelheceu antes de ficar velho.
E então percebemos o quanto éramos opostos. 
Aí o nosso amor cresceu.
(Porque é preciso muito mais amor para amar o oposto)
Eu fui, voltei, fui, voltei, fui, voltei. E ele estava lá todas as vezes.
Até o dia que não esteve mais.

Meu pai me deu meu nome e meus dedos.
E um monte de discussões, e caras amarradas, e discordâncias.
Acho que não gostou de nenhum namorado meu.
Mas deu cheiros, colos e beijos molhados.
Excessivamente molhados.
Das poucas vezes que quis expressar alguma opinião sobre minha vida adulta, disse: aqui é sua casa.
Ele era minha casa.
Eu fui, voltei, fui, voltei, fui, voltei. E ele estava lá todas as vezes.
Até o dia que não esteve mais.

Ele ficava trancado no quarto, enquanto enchíamos a casa de amigos. 
Ele deixava a casa cheia, mas pedia silêncio. 
Ele reclamava do barulho, mas reclamava da ausência.
Soltou pipa, jogou futebol de prego, brigou com o pai de vassoura, mudou a gente de cidade, trouxe a gente de volta.
Não lembrava o nome de ninguém. Ou fingia não lembrar.
Não demonstrava atenção ao que falávamos, mas falava da gente pros outros.

No final das contas, todos somos adotados.
Adotados por aquele que nos tem e que decide nos dedicar seu amor.
Pra eu ter um pai, ele precisou me adotar.
Pra ter uma filha, eu o adotei também.

Meu pai me deu meu nome.
E a sorte de ser quem sou.



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